sexta-feira, outubro 20, 2006

Jesus "reeditados"


A propósito da reedição da discografia dos Jesus and Mary Chain algumas linhas se têm escrito muito recentemente nas páginas dos meios de comunicação social impressa especializados.
Este facto só vem acentuar a importância e a influência da banda durante a segunda metade dos anos 80 e o início dos anos 90 (sim, "Loveless" dos My Bloody Valentine nasce dos escombros de "Psychocandy").
Ontem li num livro de "Contos Apátridas" uma frase que dizia algo do género: o que tentamos esquecer é o que mais dificilmente conseguimos esquecer. Nesta simples aferição se aplica o que me apraz dizer sobre o que foi comentado sobre a supracitada reedição de quase toda a discografia dos Mary Chain.
Ponto 1 - Há um disco chamado "Psychocandy" que ninguém quer esquecer. As razões óbvias são por demais conhecidas: foi uma pedrada no charco num meio musical pejado e obeso de "beats" hiperbólicos da desgastada "New Wave". Torrentes de feedback ao lado de melodias "à la" Beach Boys, as vozes profundas dos irmãos Reid, a bateria primária e grostesca de Bobbie Gillespie fizeram do disco um marco na história da música pop.
Ponto 2 - Depois de "Psychocandy" e com uma distância temporal de 8 anos desde a edição do último disco ("Munki" de 1998) e posterior dissolução da banda, existe toda uma discografia (4 discos reeditados à excepção do último), que alguns pretendem esquecer mas não conseguem.
Urge a questão: o que fazer depois de "Psychocandy"? A resposta foi fácil e surgiu na forma de um disco chamado "Darklands".
Em "Darklands" a muralha sonora de distorção e feedback foi praticamente abolida (excepção para "Fall"), para deixar despidas as melodias melancólicas que marcam transversalmente todo o disco.
O baixo e a bateria passam a ser programados e é aí que reside o único defeito do disco. Onde "Psychocandy" é agreste e orgânico, "Darklands" é apenas cumpridor, característica que acabou também por passar para o seu sucessor, "Automatic".
"Automatic" é para muitos o patinho feio da discografia dos Mary Chain, mas se pensarmos bem é a sequência natural de "Darklands". Repetem-se na diferença. Estão lá de novo os 3 ou 4 acordes básicos, os "riffs" gordos, mas desta vez a estética volta a mudar: Rock directo, a roçar o FM - "Head On" comprova-o.
Novo hiato e em 1992 regressam com "Honey´s Dead", numa tentativa de exorcismo aos fantasmas da crítica que quase arrasou "Automatic".
"Honey`s Dead" é a primeira parte de uma tentativa de súmula da carreira da banda. É um disco semi-híbrido que tenta conciliar estilhaços punk ("Reverence") com canções delicadas ("Almost Gold").
Dois anos depois sai o último disco desta reedição e o penúltimo da banda: "Stoned and Dethroned". Dez anos depois de "Psychocandy", os Mary Chain fazem nova revolução sonora... maneirinha. Mais uma vez conseguem sair da encruzilhada e encontrar um caminho por desbravar na sua carreira. A história repete-se... em formato (quase) acústico, numa pradaria texana, com a as colaborações de Hope Sandoval (Mazzy Star) e Shane MacGoawn (The Pogues) e tudo faz sentido. 10 anos e a curva faz 180º.
"Munki" que não está incluído no lote da reedição, é a segunda teentativa de resumo de carreira. Denunciada em faixas como "Birthday" no recurso à batida de "Just like honey" (primeira faixa de "Psychocandy"). Este sim, é um verdadeiro híbrido. Está lá a recolha de alguns pedacinhos deixados por terra em cada um dos discos. Ouço "Psychocandy", "Stoned and Dethroned" ou "Automatic", naquilo que acaba por ser o seu pecado maior: a falta de coerência e consistência que os seus antecessores não revelavam.
Contudo, o canto do cisne não é disco desprezível e fica bem ao lado das reedições agora apresentadas.
Nesta perspectiva e caindo no facilitismo de classificar e engavetar tudo o que é produção musical, a crítica sempre tendeu a subvalorizar a discografia pós "Psychocandy", caindo no erro - no meu entender - de não perceber que a qualidade de um disco não se mede pela sua relação de proximidade com outro, mas sim pelos ingredientes que contém, de não perceber também que as circunstâncias da germinação de qualquer um dos discos seguintes foram substancialmente diferentes daquelas que elevaram "Psychocandy".
Obra essencial, "Psychocandy" é o cérerbro neurótico da sua carreira, "Darklands" e "Stoned and Dethroned" são o coração, "Automatic" é o estômago, "Honey´s Dead" e "Munki" são os membros.
Metaforizei, mas não engavetei. Façam o vosso juízo se escutarem cada um dos discos, mas desde já vos digo que não deverá ser nada fácil esquecer a falta dos pés ou das mãos...

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