quinta-feira, fevereiro 19, 2009

13-Tzameti: A Oração dos pobres, ajoelhados perante os infortunados de espírito


13 - Tzameti é o nome do filme que acabei de ver há momentos e que continuo ainda a digerir. Não porque seja uma trama demasiado intricada ou que precise de grandes laivos de imaginação para discernir o que a narrativa nos propõe durante cerca de hora e meia. De facto, 13, é uma alegoria da vida moderna, um drama violento que nos apresenta ângulos diametralmente opostos de uma sociedade que exalta a opulência e a ganância por uma lado, a pobreza, a miséria e o desespero por outro.
A realização é do franco-georgiano Géla Babluani e conta a vida de Sebastian, um jovem emigrante de leste que vive com a sua família em França e que trabalha como carpinteiro.
Em determinado momento da sua vida, decide arriscar-se numa aventura que o seu falecido patrão não teve tempo de concretizar. Uma aventura que ele próprio desconhece, mas que envolve muito dinheiro.
A nú e de forma implícita ficam as dificuldades que os emigrantes têm de passar para conseguirem uma vida melhor e mais digna fora do seu país de origem. Sinal de uma Europa em constante mutação. Mas do que o filme trata é do lado mais negro dessa mudança.
Ora, numa abordagem mais detalhada, a caixa de pandora do filme (a carta misteriosa que o patrão recebe) é, por um lado a esperança de um junkie - o patrão - endividado e por outro a solução da vida pobre de Sebastian que não vislumbra um horizonte luminoso à sua frente. Esta é a premissa básica do filme que prossegue em toda a linha narrativa com desenvolvimentos cada vez mais pulsantes e aterradores.
A meio do filme o easter egg indiciado pela carta misteriosa é desvendado e é então que a violência nos é oferecida descaramente. Vidas pobres em jogo à custa da ambição e da ganância dos ricos, como mito pernicioso da sociedade actual.
Ao contrário do que poderíamos julgar 13 não é um filme espectral, que deixe uma silhueta de esperança para além da sua duração. O seu fim morre exactamente com o plano final, sendo que as conjecturas que possamos fazer para além disso não passem de meras futilidades perante o fechamento narrativo que Géla Babluani nos propõe.
O preto e branco é uma escolha óbvia para a acentuação do dramatismo já subjacente à história. Também o vejo como metáfora ao (des)governo da sociedade global, sem escrúpulos, revestida com o verde das notas e despida de valores.
Para ver com nervos de aço e de preferência acompanhado com um bom whisky.
Mais detalhes aqui

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

A Crise Humana

Vivemos na era da individualidade, da evocação proverbial do ego.
Na verdade a crise financeira e económica que agora atravessamos transformou-se numa bem mais gravosa crise social, com a consequente crise de valores e de confiança que as próximas gerações lamentavelmente terão de atravessar.
Podemos culpar o sistema neo-liberal, o capitalismo, o terrorismo e muitos outros "ismos", mas o problema essencial reside em cada um de nós, enquanto seres humanos educados sob a égide católica, muçulmana, judaica, ateia, hindu ou outra qualquer. É na própria individualidade e na sua abstenção face a valores comuns a uma sociedade dita igualitária e fraterna, que reside o grande problema social actual.

O indíviduo passou a tomar conta de si pouco se importando com outrem: " Então? Como é que é? Tudo bem?" "Sim, vai-se indo". Quantas e quantas vezes ouvimos repetidas vezes estas expressões na nossa vida diária? Provavelmente dezenas de vezes. É verdade. Tornou-se um hábito mecânico, tal como acordar todos os dias à mesma hora para ir para o emprego ou lavar os dentes antes de deitar. É algo que dizemos ou fazemos institivamente, mas que não deixa de ter um certo condimento caricatural.

Não me proponho fazer uma análise geracional que sustente uma teoria sobre as contigências da vida social actual, mas para todo o efeito e com base no senso comum (que na maioria dos casos é o factor de maior peso na expressão das nossas opiniões), sinto que as gerações que me precederam tinham, de uma forma geral, uma série de valores quase intocáveis: a justiça, a amizade e a confiança eram pilares, que dificilmente eram abalados.
O companheirismo, e a entreajuda são hoje linhas ténues no horizonte. O Amor deixou de se espalhar para se concentrar, em nós próprios. Hoje não lutamos em conjunto contra uma injustiça, lutamos entre nós próprios porque queremos ser melhores, ter mais poder, mais influência. Hoje não me indigno contra o meu empregador por não me ter sido aumentado o salário segundo o decreto-lei nºxxx, porque tenho medo de sofrer represálias. Se o meu colega me fizer uma proposta para um abaixo-assinado a manifestar essa mesma indignação eu digo que vou pensar, mas acabo por não assinar.

Hoje seria impossível existir um movimento com a força de um Maio de 68 ou com a força dos movimentos populares e militares que derrubaram as ditaduras do séc. XX.
O perigo do sistema em que vivemos é que, ao contrário de uma ditadura, as forças do real poder são invisíveis e a invisibilidade torna-as imunes. Não existe um rosto, não existe uma figura ou várias a quem possamos apontar o dedo como pudemos (ou podemos ainda) com Salazar, Estaline, Hitler, Franco, Pinochet, Fidel ou Sharon...

O mundo encontra-se numa encruzilhada, mas nós cabisbaixos só pensamos no nosso projecto post-mortem. Isso mesmo, post-mortem. Aquilo a que nós hoje, cidadãos do mundo chamamos de projecto de vida nada mais é que a marca - mais ou menos ambiciosa - que pretendemos deixar cá, e com a qual queremos que sejamos lembrados depois da inevitabilidade da morte. Queremos ser lembrados no futuro por aquilo que fizemos no passado.
Na era da individualidade, aquilo que realizamos hoje será a marca de um passado que há-de vir ou não. Aquilo que projectamos para o futuro é a miragem do que poderemos ser depois de já cá não estarmos. Para nós, seres individuais que vivemos este tempo de crise a vida é um longo projecto post-mortem. No passado "colectivo" não terá sido assim. No futuro espero que também não.

domingo, fevereiro 08, 2009

Tight and Squeeze

Por vezes erguem-se ondas tumultuosas que atravessamos com a pressa
De um Moisés imprundente,
Desembocamos em vielas de vício, medo e despudor.
Quando a mão que nos estendem traz escondida a falsa esperança e o mal espelhado
No rótulo ébrio de uma garrafa sorridente,
Sucumbimos como lebres sob a mira de uma espingarda que dispara antes de perguntar.