sábado, dezembro 27, 2008

Os Ajustes de 2008 Pt.1

O Natal não me aqueceu o coração como desejei. Recorro por isso a uma pequena garrafa de Alexandrion, uma bebida que segundo, indicação do rótulo é originária da Grécia, mas fabricada na Roménia. Enfim, fenómenos da globalização.
Global, ou de uma forma mais adequada e eclética, aqui fica a primeira parte da selecção de canções que não saíram dos meus ouvidos durante este mirabolante ano de 2008.
Mais um ano, mais uma lista:

Little Joy - The Next Time Around (2008) - A primeira aventura conjunta entre o baterista dos Strokes, Fabrizzio Moretti e Rodrigo Amarante, vocalista dos Los Hermanos (esses mesmos do hiper desgastado Anna Julia). Uma pérola pop a tocar a estrela brilhante de Brian Wilson e o lo-fi dos primeiros anos dos Strokes.



Lou Reed - Caroline Says II (1973) - Depois de ver o filme-documentário de Julian Schnabel, Berlin, ouvi com alguma regularidade esta canção musicalmente densa e liricamente estonteante. A poesia de Reed é dura, áspera, sufocante, mas ao mesmo libertadora e brilhante na metaforização:
"All her friends call her Alaska...
She put her fist through the window pane
It was such a funny feeling
It's so cold in Alaska
it's so cold in Alaska
It's so cold in Alaska"



Wilco - Impossible Germany (2007) - Incontornável. O disco de onde saiu a canção foi sobejamente declarado como um esforço ingrato de polimento do som da banda norte-americana. A irreverência dos Wilco talvez tenha ficado pelo caminho mas a beleza de Impossible Germany caminha ao longo de quase seis minutos e, na passagem pelo solo de guitarra do recém-adicionado Nels Cline encontra o seu momento mais sublime.




Animal Collective - Water Curses (2008) - A pop anda de mãos dadas com o psicadelismo. Depois das experiências mais ruidosas e caóticas dos primeiros anos de carreira, os Animal Collective têm vindo a desenvolver o melhor antídoto para cruzar experiências noisy com pop quase assobiável.
Desde o auge dos Flaming Lips há quase dez anos (The Soft Bulletin de 1999) que não fazia tanto sentido distorcer o arco-irís.

Lambchop - Ohio (2008) - Os puristas dirão: "mais do mesmo". Eu acrescento: "ainda bem". Ohio é o cartão de visita de OH, o mais recente de originais dos Lambchop. Nunca fizeram uma canção abaixo ou no limite da linha de água. "Green doesn´t matter when you're here...". Tenho dito.

Weezer - The Greatest Man That Ever Lived (2008) - A canção mais progressiva dos Weezer. Progressiva no sentido mais literal do termo. Começa com a embalagem hip-hop debitada nas palavras de Rivers Cuomo. No caminho passa pelo ska rasgado e entra em regime de marcha militar com camadas de vozes sobrepostas, depois segue para os Queen versão Bohemian Rhapsody com um falsete claramente denunciado de tão xaroposo se trata (a auto-medicação nem sempre é prejudicial). Prosseguem e, apenas aos dois minutos e quarenta e quatro segundos são eles próprios: os Weezer despidos. Logo de seguida trocam-nos as voltas com um swing jingão a transportar os 50 para os 00. Há ainda espaço para declamações mais preocupadas com a forma (rima, entenda-se) do que com o conteúdo. Já a preparar o final entram os inevitáveis Beach Boys com harmonizações vocais em confluência pacifíca. O final é pura ganga rasgada à la Weezer.
One of the greatest songs that Weezer gave to life.

Jim O'Rourke - All Downhill from Here (2001) - O' Rourke dispensa apresentações nos sectores mais familiarizados com a estética post-rock que deu que falar no final dos anos 90 e inícios de 2000. Esteve em bandas como os Gastr del Sol, os Sonic Youth ou Loose Fur.
Em 2001 lança Insignificance que abre com este All Downhill from Here, um curioso desvio da estética experimental ligada ao fenómeno post-rock que até aí ajudara a desenvolver. É uma canção rock-pop simples, directa, com guitarras agrestes, batida primitiva e os devidos uh-uhs devedores dos Rolling Stones ou dos Kinks.
Surpresa é sermos surpreendidos por aquilo que menos esperamos. Nada mais redudante e verdadeiro que esta canção "esquiva".

The Lassie Foundation - The Battle of Vernon (2001) - O Shoegazing já havia sido inventado 17 anos antes, quando os Lassie Foudation lançaram El Dorado L.P., disco que contém Battle of Vernon, uma ácida mas penetrante canção que deveria ser tida como lição nº 1 para qualquer garage rock band (assim mesmo em inglês para não confundir o estilo musical com o termo depreciativo "banda de garagem" português). A produção lo-fi perfura (elogio) os tímpanos com torrentes de electricidade em desvario sónico, apenas suavizada pela voz de Wayne Everett, bem mais à frente que em qualquer registo dos My Bloody Valentine ou dos primeiros discos dos Jesus and Mary Chain.

Lou Reed - The Blue Mask (1982) - O tema título do disco é uma das canções rock mais enraivecidas de Lou Reed. Mais uma vez o desespero, a morte, a agonia são tratados por tu, num à vontade tão desarmante que ao invés de nos incomodar pede-nos para nos sentar e simplesmente curtir. Porque Reed é assim, o poeta da inquietude que aparentemente parece não querer dar importância àquilo que ouvimos, mas somente àquilo que nos diz (talvez daí a sua distância, a sua propalada arrogância). Blue Mask é pura adrenalina rock com uma secção ritmíca de luxo: Doanne Perry na bateria e Fernando Saunders no baixo (aquele som fretless é o comboio do refrão). Robert Quine completa a formação na guitarra com a imaginação da fase pós-punk que trouxe da época em que tocou com Richard Hell (os Sonic Youth aproveitaram bem os ensinamentos).
"Take the blue mask down from my face and look me in the eye
I get a thrill from punishment
I've always been that way
I loathe and despise repentance
You are permanently stained
Your weakness buys indifference"

Destroyer - Plaza Trinidad (2008) - Músico prolífico, Dan Bejar desdobra-se em Destroyer quando não está a ajudar os New Pornographers. Leva já oito discos gravados, mas só começou a ser reparado q.b. em 2004 com o lançamento de Your Blues, ao mesmo tempo que os New Pornographers também ganhavam alguma projecção. Trouble In Dreams de 2008 traz este magnífico Plaza Trinidad, uma melodia em crescendo portentoso e arrítmico. Aqui todos os instrumentos se complementam (incluíndo a própria voz de Bejar), cada um tem o seu "momentum", como se a canção tivesse sido escrita para um encontro de amigos que tem muito para contar e escutar.
Encontramo-nos na Plaza Trinidad. Obrigado.

sábado, dezembro 06, 2008

A Tocha que iluminou 2008



2008 percorre aceleradamente os últimos kilómetros. O saber popular diz que, até ao lavar dos cestos é vindíma. O mesmo será dizer que um projecto só termina quando todas as etapas do mesmo estão concluídas. Acontece, por vezes, que, antes da vindíma propriamente dita existem vários factores externos que podem determinar a qualidade da colheita de um ano: a qualidade e a característica do solo, o clima, o tratamento da vinha, as pragas... resumindo: uma série de variáveis mais ou menos constantes que condicionam a qualidade do produto final.

A pequena introdução em forma de palestra agrícola (qual Borda d' Água antecipado) serve para justificar o artigo que guardei para o melhor disco de 2008, apesar de faltarem percorrer os acima citados poucos kilómetros para o final, ou, se preferirem, alguns lagares e cestos para lavar. O mesmo é dizer que até ao final e com a quadra natalícia pelo meio, ainda existem porventura alguns coelhos a sair da cartola. No entanto, e até ao final dificilmente deverá aparecer no mercado discográfico um album que satisfaça tanto o meu apetite auditivo como o 2º capítulo da carreira dos Torche, de seu nome Meanderthal.

Vamos ao que interessa. Meanderthal é um disco de rock, de rock pesado visceral. Nos guias musicais on-line e nas rádios virtuais é catalogado de Sludge Rock, Stoner Rock ou simplesmente Heavy Metal. Acontece que não sou um especial admirador de sonoridades mais pesadas. Chego ali aos Queens of the Stone Age, aos Kyuss, aos Killing Joke (colheita pós-94) e depois o resto são as clássicas: Black Sabbath, Led Zeppellin, AC/DC. Obviamente que vou buscando uns resquícios aqui e acolá de uma ou outra banda de paisagens sonoras mais pesadotas, mas a verdade é que nunca um disco no espectro musical que incluísse a palavra metal me encheu tanto as medidas como este Meanderthal (Killing Joke, homónimo da banda com o mesmo nome andou lá perto em 2003).

Os Torche não escapam aos rótulos como acima especifiquei, mas são inteligentes ao ponto de se tornarem imunes a eles. Isto porque apesar do engavetamento, a banda tem uma personalidade musical que transcende todos os géneros que lhes queiram impôr. Se a abertura com "Triumph of Venus" é uma ode progressiva a explodir em compassos arrítimicos e riffs de guitarra virtuosos, já o single "Grenades" é a canção pop mais pesada que ouvi nos últimos anos. Depois o disco continua apressadamente com cançãos que vão jingando entre alguns ritmos acelerados e outros mais arrastados. "Piranha" faz o cruzamento perfeito entre o punk mais pesado e arrastado dos Fu Manchu, com a herança stoner, via Black Sabbath. Tudo isto sem floreados. Canções entre os dois e os três minutos e meio, exceptuando as duas últimas, "Fat Waves" (a minha preferida), num exemplo perfeito de rock progressivo, no sentido mais estrito do termo, segue uma linha sonora sequencial, em que o todo é a soma perfeita de várias partes, vários pedaços sonoros que desafiam as nossas sensações auditivas, e que portanto só fazem sentido imersas nesse bolo sonoro que lhes segura as entranhas.

Meanderthal não vive de momentos esparsos, mas sim de um bloco sólido de canções que augura tudo o que de elogioso acima referi.

Nasce progressivo e eclético e termina circular com a faixa título "Meanderthal", em registo drone.

São treze canções - trinta e seis minutos e dezanove segundos - que chegam e sobram para considerar este o disco do ano ainda antes de Jesus Cristo apagar as 2008 velinhas.

O espaço dos rapazes: www.myspace.com/torche