domingo, julho 30, 2006

Jerónimo e Belmiro contra os Aranhiços Marcianos



De vez em quando sou surpreendido pelas coisas mais (in)vulgares da rotina diária.
Quando entro numa superfície comercial, de imediato os meus olhos são assaltados pelos cartazes gigantes que anunciam as maiores e melhores promoções de sempre. O apelo ao consumo é imediato: ele é a luz direccionada para os belos kiwis portugueses, ou ele é o bife de alcatra que brilha na vitrina da charcutaria. Somos convidados a entrar no fabuloso mundo do consumo... volto a repetir: consumo (lá diziam os Repórter Estrábico).
Depois dos olhos ouvem os ouvidos. A música lamecha do Bryan Adams sempre pode ajudar a vender mais um livrinho da Margarida Rebelo Pinto, o James Brown faz sentir-nos numa ilha tropical cheia de coisas "boas e baratas", ou quiçá levar-nos-á ao cantinho do vestuário de forma a podermos substituir a velha indumentária por algo mais "cool". Objectivo: sentir-mo-nos bem. É essa a missão do velho James Brown.
De repente salta um David Bowie das colunas do "aglomerado comercial" e naturalmente passo a ser um ouvinte atento, tentando perceber se os tímpanos não estão a enviar impulsos nervosos enganosos ao cérebro. Não... é mesmo o Bowie de 72... melhor, o Ziggy Stardust. Fico a pensar um pouco. "Mas que raio faz o Ziggy aqui?".
O camaleão Bowie, ícone de uma geração bamboleante, com ganas de revolucionar, de agarrar nos anos sessenta e torná-los realmente irreverentes, é a personificação dessa geração, também em crise de identidade, nascida e criada numa sociedade em constantes convulsões (Maio de 68, a guerra do Vietname e a banalização do "Peace and Love" da geração hippie de finais de sessenta).
Ziggy Stardust, o esquizofrénico alter-ego de Bowie não foi propriamente um fenómeno anti-sistema, mas antes uma válvula de escape para os não-alinhados, para aqueles que buscavam a alienação de um mundo que permanentemente os desiludia. Seria Bowie um alienado que se refugiou na identidade de um esquizofrénico Ziggy? Ziggy não era deste mundo, Bowie era e continua a ser.
Vejamos então: o que vou eu consumir quando ouço Ziggy Stardust and the Spiders from Mars? Uma t-shirt, shampoo, tapetes? Nada? Bem, talvez um livro de ficção científica... Não... Ziggy não me impele a consumir nada, apenas a deixar-me levar para outro lugar.

A sociedade de consumo em que vivemos é capaz de subverter a lógica original de um "produto" marginal, alternativo, para tirar dividendos em seu proveito.
Os politizados Clash passavam há pouco nas colunas da mesma superfície comercial. Tão poucos como eles se insurgiram contra o sistema injusto do capitalismo. Agora as suas canções são produtos de marketing. Tal como Che Guevara.
O sarcástico e melodioso Morrisey também está cá metido. O que se passará?
Tento pensar racionalmente. Não creio que seja apenas a lógica do marginal-radical sinónimo de arrojo e irreverência a construir esta espécie de paradoxo. Penso nas estratégias de marketing promovidas pelos grupos económicos detentores das cadeias de distribuição, melhor, penso nas pessoas que comandam essas operações. Provavelmente rebeldes com e sem causa durante a adolescência, transformados em modernos Yuppies aos trinta e aos quarenta anos.

A formatação musical insuflada nos hipermercados diáriamente repetida até à exaustão é imposta por uma direcção de marketing empenhada em agradar o mais comum dos consumidores, mas também aqueles que como eles sentem uma espécie de vazio que os remete para um saudosismo, que, à falta de melhor é colmatado por uma selecção musical eclética mas pouco criteriosa do ponto de vista da homegeneidade estética própria de um local comercial.
Importar-se-ão Bowie e Morrisey. Provavelmente nem terão tempo para pensar nisso, num sistema que vive a dez mil à hora e em que o dinheiro comanda todos os sectores da vida activa.
Coincidência ou não, acabo de escrever esta opinião com uma caneta do Bloco de Esquerda que tem inscrito o seguinte: “Vota Anita”.
O Barco é o mesmo as soluções pouco ou nada diferem.


Desalinhados que alinham de vez em quando ou vice-versa:

Pixies – Something Against You vs. Here comes your man

Pearl Jam – Do the Evolution vs. Daughter

Weezer – Tired of Sex vs. Buddy Holly

Killing Joke – Asteroid vs. Love like Blood

Clash – London`s Burning – The Magnificent Seven

ETC, ETC, ETC, ETC

sexta-feira, julho 21, 2006

Pixies no Atlântico - Continuação da aula anterior

20 de Julho de 2006. Passaram cerca de 14 anos depois da dissolução dos Pixies, mas passaram também dois anos e meio depois da tão aguardada reunião. Eles fizeram-nos a vontade.
A digressão da reunião em 2004 trouxe-os a um Super Bock Super Rock completamente apinhado e louco para ver a banda que fez as delícias da adolescência de muitos trintões que se encontravam na assistência. A descarga de energia foi tal que em pouco mais de uma hora a banda tocou 28 temas, sem fraseados ou interlúdios pelo meio.
Em 2005, nova aparição, desta vez num cenário mais idílico: cabeças de cartaz do terceiro dia do Festival de Paredes de Coura. A única diferença digna de registo foi o início mais contido. Depois, a embalagem para nova descarga sem palavras, mas muitos gestos de simpatia e agradecimento - especialmente de Kim Deal.
Menos de um ano depois voltam para uma actuação em nome próprio. Momento propício para os fãns mais acérrimos poderem comprovar (ou não) a boa forma da banda e com eles partilhar as canções.
Os Vicious 5 saem do palco depois de uma actuação electrizante. mas demasiado redundante. A energia está lá, o vocalista instiga o povo a mexer-se, mas os temas (devedores de uns At-the-Drive-In ou até de uns Rage against the Machine) são demasiado parecidos entre si. De qualquer forma é uma banda cada vez mais consolidada no movimento rock português.
Uma longa espera entre as actuações. Tudo deve estar bem preparado para receber aqueles que todos querem (re)ver, ouvir, sentir...´
Às dez horas em ponto e como que por magia, David Lovering corre e senta-se na bateria (não fosse ele o simpático mágico de serviço). Reconhece-se a batida de "Bone Machine". Povo aos saltos. Logo de seguida, Joey Santiago, Kim Deal e Frank Black (Francis). Ovação geral de cerca de cinco mil gargantas.
Mais uma vez os temas surgem a um ritmo alucinante: "Crackity Jones", "Broken Face", "Levitate me" e todas as seguintes são tocadas sem paragens.
A qualidade sonora é sofrível com o Pavilhão dividido ao meio.
Kim Deal vai dizendo "muchas gracias", apercebendo-se mais tarde que Espanha é só no dia seguinte. Fuma quase ao ritmo dos temas debitados pelo P.A. do Atlântico. Velocidade relâmpago.
Frank Black (Francis) apenas canta e balança o corpo enquanto dá uns passos para trás no final dos temas ou quando não é ele o protagonista principal.
Joey Santiago está concentrado, olha para os colegas enquanto faz os tão característicos pseudo-solos. David Lovering é todo sorrisos - especialmente quando canta "La la love you" no segundo encore da noite.
Kim Deal já agradece timidamente em português. O sorriso também não lhe sai da face e os cigarros continuam a ser acesos regularmente. O público gosta dela: "Tame" e "Gigantic" provam-no.
Frank Black (Francis) continua "calado" e sereno, subvertendo alguns dos temas onde a sua voz se destaca pela irreverência ("Vamos" é um claro exemplo), berrando nas "linhas musicais" mais improváveis.
"Caribou" é o ponto alto. Voltei a ter quinze anos.
Frank parece olhar para mim e para a t-shirt que levava vestida. nela estava apropriadamente escrito "Fast Man" (Título do primeiro disco do ábum duplo a solo de Frank Black, lançado à um mês atrás). Esboça um sorriso e faz um trejeito de assentimento com a cabeça. Aparência? Talvez...
Mais tarde despedem-se do público que grita desalmadamente por eles. Joey continua tímido e David divertido.
Sem pronunciarem uma palavra percebemos que a brincadeira consiste num suposto entorse do pulso de David que fica impossibilitado de tocar e consequentemente continuar o espectáculo. Frank Black (Francis) abre e fecha os braços como que a dar por terminado o concerto e diz as únicas palavras para além das letras: "Muito Obrigado". Subitamente David beija a suposta mão magoada, "et voilá", um toque de magia cura o entorse e permite um encore com nova revisitação a "Surfer Rosa". "Where is my mind?" abre e "Ed is Dead" fecha em grande, mas o público quer mais. Voltam. Tocam "Here comes your Man". Despedem-se de novo. O público grita, chama por eles, mas são onze e meia. Hora certa.
Onde é que eu já vi este filme?

quarta-feira, julho 19, 2006

Belle & Sebastian no Coliseu - Elegia Pop

Que bom é disfrutar docemente cada pedacinho da vida. Assim poderia descrever sucintamente o concerto dos escoceses Belle and Sebastian num Coliseu dos Recreios muito bem composto.
Estava convencido de que era a primeira actuação da banda em Portugal, mas já por cá haviam passado num festival de Verão.
Primeiro e único ponto negativo do evento: o atraso de quarenta e cinco minutos, coisa habitual e lamentável em algumas salas de espectáculos lusas. O desfile de deliciosos pedaços pop da melhor estirpe dos últimos dez anos começou assim às dez e quarenta e cinco.
Stuart Murdoch foi o anfitrião da festa, sempre coadjuvado pelo multi-instrumentista Steve Jackson. Este não foi o único a tocar vários instrumentos. Todos os músicos tocaram e trocaram de instrumentos, numa demonstração de versatilidade e maturidade musical por vezes rara numa banda de pop actual.
Mais timídos de início os músicos acabaram por se deixar embalar pelo ambiente quente e festivo do público que nunca se cansou de aplaudir efusivamente cada um dos temas, e de fazer inclusivé, várias sessões de "discos pedidos" - um deles acabou por ser satisfeito já perto do final: "Like Dylan in the movies".
"Este público é melhor que o de Madrid" disse Murdoch depois de todo o público ter assobiado com ele a parte final de "Loneliness of a Middle Distance Runner"
Depois da desinibição a festa completa com Stuart Murdoch a dançar incansávelmente, a incentivar o público a fazer o mesmo e os músicos a viajarem para diversos pontos do palco.
"The Life Pursuit", o último registo de originais dos Belle and Sebastian lançado este ano, poderia ter sido o mote principal do concerto, mas como referiu Murdoch num português esforçado e com cábula, que, sendo este o primeiro concerto da banda em Lisboa iríamos ter direito a uma bonita viagem ao passado, com passagem pelos incontornáveis "If you`re felling sinister", "The boy with the arab strap" e o primeiro registo, "Tigermilk". O tema título de "The Boy with the Arab Strap" foi aliás um dos pontos altos do concerto.
Inevitável foi a passagem pelo supracitado "The Life Pursuit", que provou a excelente forma dos Belle and Sebastian, em temas como: "Another Sunny Day", "For the Price of a Cup of Tea" ou "White Collar Boy". Isobel Campbell já cá não está, mas os B&S continuam bem e recomendam-se. Este foi aliás um disco que trouxe nova frescura à sonoridade de marca de banda. Continua lá o ambiente campestre e pastoril, mas agora há espaço para a dança, para a festa, para revisitar os Beach Boys e os Beatles.
O espectáculo continua e Murdoch volta a ser um adolescente quando pede um cigarro a uma rapariga do público e a convida para subir ao palco para com ele dançar "Jonathan David". Estamos em 2006, mas o espiríto continua em 1996. A mudança aconteceu, mas maneirinha e contida.
Depois do maravilhoso "The State I`m In" e de hora e meia de concerto saem do palco e voltam a entrar pouco depois sob os intensos aplausos da plateia e bancadas da sala lisboeta. Tocam mais dois temas. Saem outra vez, o público anseia novo regresso que acaba por não acontecer.
Que em 2016 o espiríto permaneça em 1996, mas que no mesmo período temporal as visitas a Portugal sejam mais regulares.

sexta-feira, julho 14, 2006

Frank Black: Dose Dupla com Fast man Raider man


Fast man Raider man, o último disco de Frank Black vem confirmar a boa forma do músico, numa altura em que os Pixies regressam para mais uma digressão.
Se Honeycomb (o registo de 2005) havia deixado boas pistas (leia-se canções) quanto à capacidade de Black se metameforsear em cauntautor das profundezas dos sul dos E.U.A., Fast man Raider man consolida o seu estatuto de songwriter meticulosamente construído a partir de "Dog In the Sand" de 2001.
Desta vez, e tal como no anterior, sem os Catholics, Frank Black "muniu-se" de autênticas lendas vivas do southern country-folk-rock para gravar Fast man Raider man. Entre eles contam-se: Steve Cropper, guitarrista que já trabalhou com Otis Redding, Jeff Beck, ou B.B. King; Levon Helm, o multi-facetado instrumentista da The Band; Spooner Oldham, o teclista que gravou com Bob Dylan, Aretha Franklin, Neil Young entre outros; e ainda os bateristas Billy Block, Chester Thompson (o acompanhante habitual de Phill Collins) e Steve Ferrone. Mas o rol de estrelas não acaba por aqui.
Gravado em Nashville, Fast man Raider man, é a melhor fatia do bolo quando comparado a Honeycomb. Aliás, uma fatia com elevado teor calórico: vinte e sete canções num álbum duplo.
A linha musical segue as pisadas do antecessor, mas está mais apurada com a produção de Jon Tiven, que parece ter deixado transpirar as emoções dos músicos que passaram pelos estúdios e coloriram cada uma das vinte e sete canções.
Esteticamente o conjunto de canções é homogéneo, muito embora a diversidade de ambiências musicais seja uma constante: "Johnny Barleycorn" é rock quadrado sem espinhas, apontado a todos os poros do corpo, "Sad Old World" é uma balada country que podia ter sido escrita nos anos cinquenta, não fosse o pseudo-sarcasmo de Black depois do solo de guitarra: "Hello... No, I mean, You...", a fazer lembrar um Elvis Presley apaixonado mas de poucas palavras. Ficam ainda óptimos momentos como: "Holland Town", "You can`t crucify yourself", " o dueto com Marty Brown em "Dirty Old Town", "Dog Sleep" ou "When the Paint grows Dark and Still".
Se Honeycomb era um bom vinho novo, generoso, mas sem exceder as expectativas, Fast man Raider man é um vinho maduro, estagiado em cascos de carvalho que deleitará o "palato" auditivo de quem o ouvir.
O melhor, a seguir ao inigualável Teenager of the Year.