domingo, agosto 05, 2007

Sines: Quinta 26 – A Rocha e o Bica

Acordo estremunhado dentro do carro. O calor é infernal. Não sei onde estou. Procuro os óculos que encontro cerca de quinze minutos depois. O telemóvel indica 11:45. Apenas depois de sair do carro (escusado será dizer que tinha a cabeça a pesar uma tonelada e a boca transformada no deserto do Namibe) percebi que me encontrava no Algarve, algures perto de Portimão.
Tento encontrar um café para saciar a sede aguda que me consome quase há meia-hora. Não faço ideia onde estão os meus companheiros de viagem.
Aproveito para ir até à praia sob o sol tórrido do sul. Tiro as sapatilhas junto ao mar e ainda consigo molhar os pés antes de o Ricardo me ligar a dizer para voltar para junto do carro. Avizinha-se uma viagem sôfrega até Sines.
O Ricardo e o Apache tiveram a “excelente” ideia de pernoitarem na praia. Foram apanhados de surpresa pelas famílias portuguesas carregadas com o farnel e o chapéu-de-sol que não os deixaram dormir mais de duas horas.
Depois percebo que estamos na Praia da Rocha.
Adiante.
O combinado é pararmos no caminho para um almoço retemperador. Aljezur é o local escolhido. O atendimento não prima pela rapidez, mas a simpatia compensa a lentidão.
De Aljezur a Sines o condutor passa a ser o Ricardo, passando eu para o lugar de co-piloto.
Paramos em Odeceixe para apreciar a praia que separa o Alentejo do Algarve. O tema de conversa continua a ser: “relações abertas: prós e contras”. Os temas fotografados começam a roçar o limite do absurdo e eu estou cada vez mais feliz.



De Odeceixe a Sines não fazemos uma única paragem. No leitor de K7 rolam os T-Rex, o Stevie Wonder e até os Eagles.
O senhor que entrega as senhas de entrada e saída no parque de campismo ganha a alcunha de pescador (devido à sua farta barba e arredondada fisionomia) e também o epíteto de omnipotente. O homem dá senhas, afina os PA’s do festival, é dono de uma empresa de cargueiros, zela pela bandeira azul na praia de Sines, vai a Paris todos os dias de manhã… Um mimo.
Na chegada ao parque seguimos os preparativos para mais um serão de música. Desta vez, e depois dos ébrios reencontros da noite anterior, a música não deu mesmo descanso. Um duche de água fria e corpo e mente de novo sãos.
Descemos a encosta do castelo em direcção à Avenida da Praia onde Harry Manx já se encontra a tocar. Ambiente místico a pairar junto à praia, com Manx a fazer uso da sua “Mohan Veena”, um instrumento muito peculiar, oferecido pelo seu tutor, Vishwa Mohan Bhatt durante os anos que passou a estudar na Índia.



O que Manx nos oferece no belíssimo final de tarde do dia 26, é um misto de blues com inspiração indiana, ora percorrendo as margens do Mississipi, ora banhando-se nas águas lamacentas, mas purificantes do Ganges. O que se ouve é um senhor cantar e tocar a sua alma, numa linguagem original, humilde e sobretudo mágica. Primeiro grande momento do festival.
Faz-se tarde para jantar. Não queremos perder Carlos Bica com o Trio Azul e o convidado Dj IllVibe.
Inevitavelmente, mas sem confusão, acabamos por chegar atrasados ao concerto do senhor Bica
Um dos maiores nomes do jazz português e mundial, Bica deixa-me completamente alucinado com a fusão da estética jazz com o rock, a pop, o funk, o hip hop. Espaço para solos de todos os músicos, numa demonstração de que a riqueza musical não reside na execução tecnicamente perfeita do instrumento que se toca, mas antes na exploração sonora e performativa que se faz dele. Jim Black demonstra ser um dos bateristas mais originais no palco de Sines. No seu simples kit percorre o jazz contemporâneo, desce até aos ritmos gordos e a “direito” dos Queens of the Stone Age, e brinca com o seu prato abafado a fita-cola, sempre com um sorriso nos lábios.


Quem também brinca com os pratos é DJ IllVibe, mais ao estilo de um DJ Swamp (acompanhante de Beck), obrigando os puristas do jazz a fazerem uma vénia à forma como estes músicos, partindo de uma raiz puramente jazzística, conseguem subverte-la e dar-lhe uma nova roupagem. E que bela roupa é esta...
Os Tartit são um colectivo do Mali, que tem a sua maior virtude na exploração do universo corporal e gestual da sua cultura. Homens e mulheres ocupam o palco na quase totalidade da sua extensão, cantando, tocando e dançando as raízes da sua terra: reminiscências do deserto tuareg pontuadas por uma discreta guitarra eléctrica. Valeu pela simpatia e performance, mais que pela música.
Mahmoud Ahmed é o senhor que se segue. Da Etiópia traz um espectáculo certinho, mas pouco arrojado. Confesso que é uma das minhas maiores expectativas da noite, mas fico um pouco desapontado. Não pela falta de qualidade musical, mas pelo formato “fórmula” tão cara ao universo pop-rock. E afinal não vim cá ver pop-rock. Chegou-me o SBSR.
Saímos ainda antes do último encore de Mahmoud. Uma parte da turba vai descansar. Eu, o Ricardo e o Apache resistimos para ver Bitty Mclean na Avenida. Antes ainda uma voltinha pelas bancas de CD’s. Decido comprar o de Harry Manx, mas apenas no dia seguinte.
Sente-se já o sabor do lovers rock de Mclean quando descemos as escadas que dão acesso à praia. Mesmo sem a dupla Sly & Robbie, que estava convocada para acompanhar o músico, Mclean dá uma lição de roots reggae e lovers rock aos presentes. Cheira a amor e sentem-se boas vibrações. Ouvimos 7 músicas e voltamos ao parque. O dia foi demasiado longo e apesar de me apetecer ficar a fazer companhia ao Bitty, respeito o meu amigo Ricardo (talvez um dos piores apreciadores de reggae que conheço) e decidimos ir descansar.
Em direcção ao parque novas histórias do pescador e algumas suposições sobre o ressonar do Papier, com quem iria dormir daí a pouco.

A noite acaba em amena cavaqueira quando ao abrir a tenda visionamos a posição de descanso muito “sui generis” do Papier.
Antes de adormecer as descargas de autoclismo e o ressonar do Papier são a razão da minha dor de abdominais no dia seguinte.


Com tanto riso não podia ser de outra forma.

2 comentários:

Anónimo disse...

Faltou contudo a menção, de um alianciante "dormes comigo hoje?" ao ilustre desaparecido. Bem sei que não há memória e o melhor é que nem exista.

Ass: R de Portugal

Anónimo disse...

A Rocha e o Bica, made In.. Portugal