segunda-feira, março 02, 2009

Safe: Salvação humana, salvação mundana


Estamos em 1995. Todd Haynes - que mais tarde viria a realizar a alegoria estilizante do glam-rock chamada Velvet Goldmine -, realiza um filme que contém em si a semente premonitória do que será um dos temas mais debatidos no alvor do séc. XXI - o ambiente, a sua degradação, efeitos e danos colaterais.

"Safe" conta a história de uma mulher, Carol - Julianne Moore numa excelente interpretação -, que vai ficando física e psicologicamente debilitada sem razão ou motivo aparente. A medicina convencional não encontra resposta para o seu problema e é então que encontra num pequeno flyer aquilo que pensa ser a razão da sua debilidade: a doença do séc. XX, que exponencia a exposição continuada ao meio ambiente degradado, constantemente bombardeado com químicos, radiações, e outras inconveniências maiores, como factor primeiro para o desenvolvimento dessa mesma doença. Efeitos: enxaquecas, tosse convulsa, náuseas, vómitos e sangramento do nariz (aquilo que o médico de rotina lhe havia sugerido como efeitos pós-stress).
Com uma personalidade frágil e vulnerável, Carol decide investir na resolução do seu problema inscrevendo-se num centro "ecológico" isolado de todos os elementos perniciosos ao meio ambiente.

"Safe" é isto em jeito de sinopse, mas Todd Haynes apresenta-nos este aparente banal exercício ficcional sobre o estado do ambiente como uma falácia para se embrenhar em algo mais profundo: as fragilidades e a impotência do Homem em lidar com a sua própria consciência.
Na verdade "Safe", contém doses bastante consideráveis de terror psicológico, desde a criação de um medo maior que se traduz em enfermidade, até ao condicionamento psicológico que leva o ser humano a tomar decisões com base em premissas empíricamente e cientificamente inusitadas.

Carol é internada num centro miraculoso que desenvolve o seu método de trabalho através de modelos pensados por um guru que promove a apologia do amor e a celebração da vida através da auto flagelação psicológica dos seus utentes. As pontas da narrativa ficam soltas quando Carol descobre que junto do centro passa uma auto-estrada, quando vê uma personagem misteriosa que percorre os campos sem se aproximar (o outsider que não logrou aliar-se ao grupo?) e descobre ingenuamente que o guru Peter vive numa mansão sobranceira a todo o complexo. O que porventura poderia indiciar a derrocada da suposta "banha da cobra" que é o centro (a morte de um dos utentes), acaba por surtir um efeito nulo em todos os que já lá se encontram. É nesta inquietação que Haynes nos deixa: a ignorância sobre o que nos põe defronte da vista. Pesadelo ou sonho azul? Talvez nem um nem outro - embora o primeiro esteja mais próximo da verdadeira intenção de "Safe" (a banda sonora também o induz).
Nesta altura o título do filme é realmente sugestivo. A aparência da virtude de um título que nos diz literalmente "a salvo" é a imagem antagónica de um salve-se quem puder da conspiração global que nos mata lentamente, mas não nos salva de nós próprios. Aqui a tradução é mesmo: dentro da redoma, como num cofre. Assim o vemos na sequência final.

Os planos fixos começam por ter um papel contextualizador do tempo e do espaço, depois vão acentuando uma certa gravidade inerente à própria narrativa, enfatizando as matizes das imagens que em diversos momentos se vão pronunciando e há medida que nos aproximamos do final, se afunilam em tons mais pardacentos.

Lester é o paradigma do filme. Vejam e saberão do que estou a falar.


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