quarta-feira, novembro 01, 2006

Do CCC pró DocLx

As artes visuais e performativas, fazendo parte de um extenso universo, onde, em última instância dão expressão e corpo a uma determinada cultura, devem ser alvo de uma atenciosa observação.
O espírito crítico desenvolve-se a partir da capacidade de argumentar através de opiniões, posições críticas, mas também de saber ouvir, dialogar e respeitar, para, em consonância, contra-argumentar, concordar ou discordar.
Nesta perspectiva sinto-me um espectador de diversas expressões artísticas e culturais com um espírito crítico cada vez menos passivo, mas sim mais mordaz e acertivo.
As diversas formas de expressão artística procuram de alguma forma despertar emoções e sentimentos no espectador.
Nos últimos dias e, apesar da escassez de tempo, tive a oportunidade de ver uma peça encenada pelo grupo de teatro “O Bando”: “Gente Feliz com Lágrimas”, no Centro Cultural do Cartaxo. Tive também a possibilidade de assistir a dois filmes na última sessão de Terça-Feira na terceira edição do DocLisboa a decorrer na Culturgest até ao próximo dia 29 de Outubro.
Curiosamente, nenhum destes três produtos culturais me suscitou particular sensação. Este sentimento de alguma frustração deriva, talvez, do facto de não me ter conseguido imbricar nas obras, em não ter sentido que, de certa forma eu era também uma peça essencial do produto artístico. Não me senti envolver pelos actores, cenas ou locais representados.

Sábado, 21 de Outubro

“Gente Feliz com Lágrimas” é a adaptação de uma obra de João de Melo, autor que, confesso, desconheço.
No palco está uma estrutura giratória – metáfora da passagem do tempo. Dois actores. Ele interpreta sublimemente todo um processo metamórfico de personagens e estados de alma. Ela cumpre bem o seu papel, mas não excede.
Não me parece que o facto de não ter conhecimento de causa da obra em questão seja um requisito essencial para a apreciação da adaptação da mesma para o palco. Vi Bestia da Stile três vezes consecutivas na Culturgest sem nada conhecer do seu autor – Pier Paolo Pasolini e ainda assim achei a peça um portento de interpretação, de expressão verbal e corporal, sem recurso a grandes dispositivos técnicos e cénicos.

Terça-Feira, 24 de Outubro

Uma sessão da terceira edição do DocLisbboa com direito a dois filmes.
O primeiro, uma curta-metragem de Edgar Pêra – confesso que também desconheço o seu trabalho – que explora de forma cínica dois acontecimentos mediáticos do ano transacto: a morte do Papa João Paulo II e respectivas exéquias, homenagens e funeral e na mesma perspectiva, mas no ângulo ideológico – social inverso, a morte de Álvaro Cunhal e também o respectivo funeral.
Não deixa de ser curioso o cruzamento de símbolos aparentemente antagónicos e que acaba por acentuar o paroxismo que normalmente acontece inconscientemente em situações limite. Exemplos concretos que extraí da visualização da curta: imagens de um povo simples, pobre que presta homenagem ao chefe de um dos Estados mais ricos do mundo (senão mesmo o mais rico). Na segunda parte uma espécie de reverso complementar, o povo que acorre em massa ao funeral a um dos ícones maiores do comunismo a nível mundial. As bandeiras vermelhas, com a foice e o martelo esvoaçam ao lado das cruzes no cimo dos jazigos.
Alusão ao 11 de Setembro na imagem de uma implosão antecedida por um plano onde vemos dois aviões?

Arcana
O filme documentário que se seguiu procurou ser a fidelização a uma realidade recentemente desaparecida. Porquê o uso do preto e branco? Tentativa pretensiosa de dimensionar uma retrospectiva trágico – decadente de um lugar e respectivos habitantes? Falhada…
“Arcana” tenta retratar uma realidade – os últimos dias da prisão de Valparaíso no Chile – sem que o realizador Cristobal Vicente tenha conseguido escolher o enquadramento correcto para o seu retrato.
O filme é uma amálgama de imagens frias, palavras secas, proferidas pela voz dos prisioneiros que parecem, ora intimidados pela presença da câmara, ora com um à vontade desarmante, como se tudo estivesse meticulosamente preparado para resultar num registo natural e imprevisível. “Arcana” é a antítese da surpresa, dessa imprevisibilidade.
É todo um registo extenso, redundante, sem chama, com uma clarividência tão óbvia que nem o uso do preto e branco deixou ocultar.
Uma desilusão, até porque os planos iniciais, em registo quase Slide show prometiam uma visão peculiar e original dessa realidade. Foi isso que me ficou na retina, bem como os últimos minutos (que contam a história toda sem comunicação verbal), e o plano final em zoom out, em distanciamento formal (uso da cor), num redimensionamento espacio – temporal politicamente correcto num registo documental audiovisual.
Pobrezinho
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1 comentário:

Anónimo disse...

Quanto mais lhes bates mais gostamos de ti!