quinta-feira, julho 05, 2007

O novo paradigma astral do Rock Show (com Jesus e afins pelo meio)


Qual terá sido a conjuntura astral no dia 29 de Novembro de 1977? Melhor, gostava de saber porque raio as minhas duas bandas de referência são, muito provavelmente as menos comunicativas e porventura as mais antipáticas que já vi ao vivo.
Pixies e Jesus and Mary Chain nunca tiveram de provar a ninguém a qualidade e originalidade do seu som. Surfer Rosa e Psychocandy - goste-se deles ou não - são dois discos maiores na história do rock. Marcaram uma época e mais do que isso, abriram portas para o sucesso de projectos ulteriores. Constate-se com os Nirvana e uma boa parte do rock dos anos 90, mas também, e no caso dos Mary Chain, com os Black Rebel Motorcycle Club, os My Bloody Valentine e tantos outros. "Tomem a semente meus filhos. Colhei com ela aquilo que o nosso tempo não deixou". Seria isto que Black Francis poderia ter dito a Kurt Cobain ou os irmãos Reid a Kevin Shields dos My Bloody Valentine. Coisas do tempo, mas hoje ninguém parece estar muito interessado neles - Pixies e Mary Chain, entenda-se. Datados, reunidos fora de tempo são rótulos que estamos habituados a ouvir quando se fala destas e outras bandas.
Serão os cabelos brancos que me vão aparecendo? Estarei a ficar cota? Nããããããããõooo...
Enfim, sinal dos tempos. E se de tempo falamos, convém sublinhar que emerge um novo paradigma de concepção estética e musical no que aos festivais de música diz respeito.
Os anos 90 foram o paradigma da obsessão perfeccionista. Em nome próprio ou encafuadas num qualquer festival de Verão, as bandas tentavam a todo o custo não denunciar as suas próprias fragilidades ou as falhas técnicas que lhes eram alheias. Disfarçavam-se os pedidos de nivelação sonora deste ou daquele instrumento nas colunas de monição individual, disfarçava-se convincentemente um acorde "ao lado". Saíamos dos concertos com a sensação da quase perfeição (não fossem os aglomerados junto à linha da frente e esta ou aquela cabeça de gigantone que não deixava fruir do prazer que é estar defronte dos músicos que admiramos).
A situação inverteu-se e hoje o erro e a imperfeição são parte integrante do espectáculo.


Pronto, eu confesso. Estive no 2º e 3º dias do SBSR, vi a maior parte das actuações e posso garantir-vos com toda a certeza que os pedidos de subida ou descida de volume na monição foram uma constante durante essas mesmas actuações. Com maior ou menor frequência, os "desavergonhados" viravam-se para o técnico de palco, apontando para um ou outro elemento da banda, gesticulando de uma forma que pode ser considerada como linguagem gestual bilateral – dedo para cima sobe monição, dedo para baixo desce monição.
Por outro lado, o acorde "ao lado" ou o "break" que acaba mais cedo já não é visto com desdém, mas sim com um sorriso. Errar é humano, rapaziada. Aqui há dias o meu amigo Guru dizia-me que o Lars Ulrich, baterista dos Mettalica mandou uns quantos "pregos" durante a actuação da banda no primeiro dia de SBSR. Também nada têm a provar. Foram os inventores e projectores do trash.
Houve no entanto uma excepção ao que acabo de dizer: Mary Chain. Não vi pedidos de de subida ou descida na monição de palco, mas vi e ouvi muitos erros e algumas bizarrias.
A banda entra em palco e a guitarra de William não toca (cheira-me a esturro do roadie). Três minutos em compasso de espera até à resolução do problema, et voilá, torrentes de distorção para avançar com Never Understand. William vai "ao lado", enquanto o irmão Jim olha com ar reprovador (a distância entre ambos em palco é incrível). Depois, na mítica Some Candy Talking Jim engana-se na letra num momento que facilmente seria remediável. Jim lança um "Fuck. Sorry 'bout that. Let's start again". O erro está lá – como aliás sempre esteve nos Jesus – mas de mau humor, não com os sorrisos dos Bloc Party ou dos Clap Your Hands Say Yeah. Jim é um perfeccionista cáustico e irascível. Um perfeccionista à boa moda dos 90, sem nunca almejar esse estado de "normalidade" ao vivo. Outra coisa não seria de esperar de um homem que diz nunca ter subido sóbrio para o palco desde a formação da banda em 1983 até à sua dissolução em 1998.
Dito isto, são os perfeccionistas mais imperfeitos que já vi ao vivo.
Quem joga no limite corre sempre o risco de ficar engavetado no tempo, mesmo que as desintoxicações de álcool e drogas os mantenham falaciosamente afastados do limbo, mesmo que, se estivesse ébrio ontem durante a sua actuação este tivesse sido muito provavelmente o concerto da minha vida. Assim, não sei bem o que foi. Ainda bem.

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