Acordei especialmente bem disposto.
Depois de "Uomo Tutto", "Fatalidad" e companhia agarrei no pequeno carrascão vermelho e procedi à limpeza dos despojos "Qwentinescos" perdidos nas rotundas da nossa pequena cidade.
Há 18 anos atrás ligava diariamente para a rádio Cartaxo e dizia a frase mágica que dava direito a ouvir um disco pedido. Quase sempre pedia "What have I done to deserve this" ou " It´s a sin" dos Pet Shop Boys. Eram os meus preferidos.
Como dizia, acordei bem disposto. Enquanto recolhia os esforçados cartazes passava no velhinho leitor de k7 do carrascão um tema dos Pet Shop Boys que me deixou ainda mais alegre. "Que bonita é a vida", pensei eu enquanto passeava alegremente com a viatura carregada de platex vazio (pelos vistos o Qwentin vai tendo alguns fans que gostam de guardar recordações da banda).
"I wouldn´t normally do this kind of thing" é uma daquelas canções dance-pop para escutar à beira-mar num final de tarde de Verão.
A festa prossegue no leitor de k7 e desta vez entram os Aztec Camera com "Walk out to Winter". Vivo o espírito do Natal em pleno Verão. Ausculte-se os teclados em registo médio/agudo para perceber que a canção está no Inverno, mas com um pé na Primavera. E continuo sorridente a caminho de casa.
O espírito crítico do ser humano leva-o (especialmente nos últimos anos) a avaliar tudo apenas sob dois parâmetros: o bom e o mau. O mesmo é dizer que deixou de existir o espaço para as entrelinhas, para a justificação da existência de um acto, de um acontecimento, de um produto, de um disco.
Durante largo tempo foram atribuídos os mais diversos epítetos depreciativos a bandas/projectos que fizeram sucesso no virar dos anos 70 para os 80. Casos flagrantes: ABBA, Bee Gees, Village People.
Depois, mais tarde com a avalanche de rock no início dos anos 90 foi a vez de atirar às urtigas os projectos "pseudo foleiros" nascidos nos meados de 80. Desta feita os "hereges" foram, entre outros: os Duran Duran, os Human League e os supra-citados Pet Shop Boys.
Ora se bem me parece, a vaga retro-revivalista dos "foleiros" anos do disco-sound voltou a estar na moda, e, mais bizarro ainda: caiu no goto dos críticos de música mais ferozes e mordazes. Madonna pilha os ABBA e é a maior diva da pop de sempre.
O passado já lá vai mas o paradoxo mantém-se. Enfim...
Voltemos à minha boa disposição e particularmente aos Pet Shop Boys.
Na minha meninice foram os meus heróis (confesso que tinha a colecção inteira de calendários de Chris Lowe e Neil Tennant). Entretanto descobri o rock com os Pixies em 93 e passei os restantes anos 90 a acompanhar a vaga "indie" através de programas excepcionais na Comercial e na extinta XFM, casos de "Margem de Certa Maneira" apresentado por Rui Vargas (hoje todos o conhecem do Lux), "O Grande Delta" e "A Hora do Lobo" ambos apresentados por António Sérgio.
O sucesso hiperbólico de "Very" e mais concretamente de "Go West" passou-me ao lado. O air-play do tema foi de tal forma exagerado que ainda hoje me causa arrepios ouvi-lo. No entanto, os Pet Shop Boys sempre tiveram um cantinho pequenino guardado no meu coração. Alego que foi o meu primeiro grande amor no que à música diz respeito.
Hoje em dia relativizo a qualidade de uma boa parte do seu trabalho. Contudo, souberam manter sempre uma coerência estética que lhes permitiu não descer abaixo do limite da razoabilidade musical. Esta minha aferição não é fruto de um profundo conhecimento de causa. Como disse, os Pet Shop Boys ficaram pelo caminho, mas pontualmente gosto de revisitá-los. Se tiver de falar em nomes de boa dance-pop descartável, assim como um rebuçado docinho, docinho, docinho, eles aparecem indiscutivelmente à cabeça. E se alguém vier com o argumento de que: "Ah e tal, eles são tão foleiros como a Shakira ou a Madonna", posso sempre contra-argumentar relembrando o teor (ainda que básico e facilmente assimilável) social de alguns dos seus temas. Caso de "Opportunities", um dos seus primeiros sucessos: "you`ve got the luck, I`ve got the brain, let´s make lots of money" ou mesmo o arrepiante "Go West" numa clara alusão à libertação comunista dos países de leste, bem como ao fascínio que suscitou nestes o modo de vida ocidental.
Não pretenderam revolucionar, mas foram introduzindo umas pitadinhas de actualidade político-social na sua música.
Hoje passam ao lado da imprensa e da crítica apesar de uma carreira musical e comercial consolidada.
Valham-nos as Shakiras, as Aguileras e a "mãe" Madonna.
Será que os Xutos têm razão? Estará o mundo mesmo ao contrário? Nada que me tire a boa disposição e me envergonhe de ouvir os "meus pequenos" passados 18 anos.
Para quem não for diabético e precisar de mais uma boa dose de rebuçados propensos a causar aftas auditivas, aconselho vivamente a audição dos Lightning Seeds: pop em estado puro a cheirar a Pet Shop Boys no eu melhor
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