Esperava de “O Assaltante”, - o filme do alemão Benjamin Heisenberg, apresentado no IndieLisboa 2010, - a mediania apavorante que assola a maior parte da produção cinematográfica actual. Na verdade os tiques perniciosos de Hollywood também já vão passando para as produções europeias e asiáticas (e sim, refiro-me também às de cariz dito independente) – excluo o fenómeno Bollywood por razões culturais e sociológicas específicas que praticamente desconheço.
No entanto, “O Assaltante” está nos antípodas do que poderia ser esta mesma história contada por “Hollywood”.
Baseado em factos reais, o filme conta a história de um ex-presidiário com duas paixões distintas, mas complementares naquilo a que poderemos chamar como dinâmica narrativa do filme: atletismo e cleptomania (na versão bank robbery) – e/ou vice-versa. A corrida em primeiro lugar como atributo de liberdade, mas também como força de bloqueio a essa mesma liberdade. A curiosidade maior reside no facto de que, para Johann Rettenberger (o protagonista), o caminho para a liberdade desagua no desafio da fuga, no instinto primitivo de sobrevivência per si. A ambiguidade nasce da relação de interdependência entre as suas duas paixões (aparentemente) antagónicas.
No início, Rettenberger corre em círculos no pátio da prisão onde cumpre pena por assalto à mão armada. É nesse movimento circular infinito que tomamos conhecimento da sua vida em 90 minutos, sem artifícios, sem jogos de cintura, carros e edifícios a explodir ou efeitos especiais em catadupa. O filme é dele, da sua rotina, da sua espiral. A diferença entre Rettenberger e os funcionários dos bancos que este assalta reside apenas na relação básica de oposição entre ele próprio, que rouba e os outros, que são roubados, mas também no facto de que apenas o primeiro busca algo mais que essa redoma onde parece condenado a correr eternamente. No demais todos são idênticos na prisão da rotina que os endurece e que é também complemento narrativo, frio, formal, mas dinâmico e até romântico.
O que é assustadoramente bem conseguido no filme é o esbater de uma diferença aparentemente abismal entre aquilo que consideramos ser social e moralmente o bem e o mal.
Heisenberg é exímio na forma fria, cerebral e calculista de contar a história simples de um homem que luta como animal feroz em defesa da sua causa, provavelmente consciente de que o destino que lhe está traçado é bem diferente das corridas que vai ganhando e das metas que vai cortando. Poderei exagerar ao dizer que a grande vitória de Rettenberger acontece na sequência final; a fuga interminável que finalmente lhe dá a liberdade que almeja.
“O Assaltante” é mais do que um filme baseado em factos reais. É uma maratona em espiral e em tempo real que transpira suor por todos os poros.
Num farol, depois de subirmos a escada em caracol ficamos “perto” do céu, entre terra e mar. O mesmo acontece com Rettemberger depois de terminada a sua corrida. Talvez seja aí que termina a fuga e começa a liberdade.
Info: "O Assaltante"
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