Detesto política. Melhor, detesto a forma de fazer política no mundo complexo e exigente que hoje encaramos. Por isso vou falar dela. Melhor, vou escrever sobre um tema por demais abordado e esmiuçado, a roçar por vezes o absurdo em alguns argumentos: o aborto e os respectivos referendos sobre a sua despenalização até às 12 semanas de gravidez.
Recentemente discuti amenamente com dois amigos que discordaram liminarmente a existência dos dito referendos, porque, segundo argumentaram, existe um parlamento democraticamente eleito que aprova ou não aprova leis concernentes a todas as áreas da vida social e económica do país. Mais, defendem também que não deve ser a "populaça" a decidir sobre aquilo que consideram ser a decisão de uma só pessoa: a mulher. Concordo em parte com o primeiro argumento, discordo totalmente do segundo.
O aborto e a sua despenalização não é um tema que para ser tratado de ânimo leve, com um simples: "Elas que decidam". Por essa ordem de ideias, apenas as mulheres eleitas para o parlamento poderiam votar sobre esta matéria, ou, as mulheres portuguesas, no caso mais abrangente dos referendos. Os problemas que este delicado assunto levanta não têm a ver com uma questão de género, mas com uma questão de consciência, de reflexão e de responsabilidade. Sacudir a água do capote dizendo que as mulheres é que devem decidir sozinhas é uma posição de desresponsabilização social. Existem gravidezes indesejadas com mulheres solteiras, com casais casados, com casais a viver em união de facto. A parte não pode decidir pelo todo.
A discussão sobre o aborto extravasou para toda a sociedade portuguesa como nenhum outro assunto político social o havia feito antes (nem tão pouco a regionalização). A discussão subiu de tom entre as duas posições. De um lado os conservadores, a igreja, as associações pró-vida e outros lobbys hipócritas (sempre fui a favor do SIM), do outro um Portugal mais progressista, mais próximo de uma Europa que já vai de fugida há muito. Por isso a necessidade forçada de fazer os referendos sobre um tema que poderia ser aprovado em Assembleia com a maioria do SIM. No entanto, aquando da decisão de fazer o primeiro referendo, a clivagem entre as duas posições era por demais evidente e o NÃO ganhou uma força extra nos sectores mais conservadores da sociedade civil, onde evidentemente a igreja influenciou muitas consciências.
Com a vitória do NÃO o assunto foi adiado e não arrumado. A porta ficou entreaberta e nos dossiêrs da agenda política o tema voltou - felizmente - à discussão. De novo se poderia questionar o porquê da não aprovação do diploma no parlamento, uma vez que havia uma maioria de esquerda a votar claramente no SIM? Porque o precedente já havia sido aberto anteriormente, não havia forma de o contornar. A sociedade portuguesa voltou a abrir os ouvidos ao tema - com uma grande ajuda dos media, a amplificar a premência do problema de uma forma mais clarividente do que no referendo anterior.
Aí amigos, estamos de acordo: poupar-se-ia muito dinheiro sem os supra citados, mas nem a "populaça", nem os media se calariam. E nestas coisas de política de bastidores que eu tanto detesto, mais vale ser diplomático e dar a mão à palmatória.
Já dizia o outro: o SIM teria ganho com ou sem referendos? Teria, mas não seria a mesma coisa.
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