sábado, dezembro 17, 2005

Dentro de "Mar Adentro"


Ainda antes da pérola dos Boo Radleys, vou falar de um filme que vi recentemente na TV.
Já tinha ouvido falar muito bem de "Mar Adentro", mas decidi tirar a prova dos nove enquanto fazia um zapping que acabou exactamente no canal onde começava o filme.
Mar Adentro é um dos filmes mais bonitos que tive oportunidade de ver nos últimos tempos. A minha opinião poderá parecer um tanto ou quanto estranha quando o tema central da narrativa é a morte e particularmente um assunto tão delicado como a questão da Eutanásia.
Baseado em factos verídicos, o filme conta a história de Ramón Sampedro (Javier Bardem, numa excelente interpretação), um paraplégico que luta pelo direito de poder escolher morrer. Paralisado numa cama durante 26 anos, Ramón decide avançar com um processo judicial onde pretende, através das vias legais e com a ajuda de uma organização pró-eutanásia, morrer com dignidade.
Alejandro Amenábar, que muitos devem já conhecer como realizador de "Os Outros" ou de "Abre los Ójos" (que posteriormente foi reapropriado para a realização de "Vanilla Sky"), consegue captar em Mar Adentro momentos verdadeiramente oníricos, sem ceder um pouco ao tema que pretende abordar. A sequência do sonho de Ramón é na minha opinião uma das mais bonitas de todo o filme, transportando-nos para um universo mágico-realista, onde somos convidados a sonhar acordados através dos olhos da personagem.
O retrato da família galega de Ramón foi também um aspecto que achei curioso, na medida em que a proximidade física e cultural com Portugal, me permitiu encontrar afinidades muito concretas com a nossa forma de ser e de estar na vida. São disso exemplo, a firmeza e obstinação de Ramón, a mentalidade conservadora do seu irmão, a simplicidade de Rosa e o saber popular do seu pai.
Depois há toda a narrativa, as relações pessoais, a conflitualidade social e institucional, e no centro a espiral inevitável da morte, trágica, mas bela.
A morte que presenciamos em "Mar Adentro" não nos perturba. Amenábar ameniza o tema, com um complexo jogo de relações pessoais, afectos e emoções, relativizando a importância da questão burocrática e judicial de todo o processo. São poucas as cenas em que presenciamos aspectos que tenham a ver com questões político/institucionais, e quando tal acontece é pela necessidade do próprio argumento (Ramón Sampedro teve de enfrentar de facto a justiça).
Em suma, para Amenábar a morte é tão bela quanto a vida. Nós que observamos atentamente os seus filmes achamos o mesmo.

2 comentários:

poisbem disse...

este é o clássico filme preparado. arranjam-se uns óscares e prémios e está tudo bem e em família. e o jovem realizador espanhol pode pisar e gastar solo e dinheiro americanos. bonito. não me convence. foi desenterrar a história piegas do ramon sampedro e fazer o que os mass media tanto gostam de fazer: vampirizar e embelezar a morte. dar-lhe "aquela mística".
o cinema tem de ser livre, nem moralista, nem obsoleto, nem autocrata, nem cinzento.
aménabar não faz cinema. faz o 24 horas em pelicula. faz o mesmo que os gajos da tvi e do correio da manhã. mas gasta muito mais dinheiro.
quando o césar monteiro fez o branca de neve, toda a gente lhe caiu em cima com o dinheiro que gastou inclusivé sem grande parte dos opinadores terem visto de facto a obra. agora quando é uma xaropada medíocre com deficiências ou representações parolas e caricaturadas do real dão-se-lhes prémios. ainda alguém me há-de explicar POR QUE É QUE o bardem tem uma representação maravilhosa neste filme. alguém me há-de explicar. se conseguir.

"Nós que observamos atentamente os seus filmes achamos o mesmo. "
eu claramente não caibo nesse NÓS

Pita disse...

Tou a ver que és radical, pelo menos a aferir nas opiniões que aqui deixaste. Primeiro se o filme é preparado ou não sei. Expressei aquilo que senti ao ver o filme. Aquilo que Amenabar decide tratar no filme - aquilo a que chamas pieguice - é um assunto delicado. Depois explica-me esse paradoxo entre "vampirizar e embelezar" a morte. Os mass media estão preocupados em embelezar a morte? Quando ligas o jornal da TVI e te falam em 1000 mortos achas que o propósito deles é embelezar a morte? Achas o mesmo quando abres o Correio da Manhã?
Segundo paradoxo: se o cinema "tem de ser livre" porque é que não pode ser moralista, ou obsoleto. Podes não gostar, mas, se como afirmas ele tem de ser livre, logo pode ser o que quiser.
Na minha opinião Mar Adentro não é nada disso que referiste. Mas disso falei já no blog. Respondo à tua questão sobre a representação do Bardem com outra questão: porque é que para ti ele é uma representação xaropada e caricaturada do real?
Sendo que o cinema, a imagem é a reprensentação de algo que pode ter ou não conotação com o real, gostava de saber o porquê da dita "xaropada"
E agora respondo à tua questão.
A representação em cinema ou noutra expressão artística tem a ver essencialmente com emoções e sentimentos. No meu entender a boa ou má gestão dessas emoções na representação de um papel em cinema distingue os bons dos maus ou dos menos bons. Neste caso concreto e tendo em conta que o filme é o retrato de um caso real, parece-me que essa gestão, esse imbricar-se na personagem que tem de representar está extremanente bem conseguido, nos diálogos, nas expressões, enfim provavelmente em tudo aquilo que tu discordas.
Como disse no outro artigo do blog, a livre expressão de opiniões é um dado certo por estas paragens. Quando uso a palavra "Nós", para expressar a minha opinião certamente estarás consciente de que o faço não no sentido literal, mas como forma de dar um destaque mais claro à minha posição no final da crítica. Óbvio que tens o direito de discordar da minha posição, mas se fôssemos todos tão literais e cada um possuisse uma verdade absoluta era uma chatice dos diabos e andávamos sempre à pancada.
Abraço