terça-feira, dezembro 20, 2005

O deserto segundo David Lynch


Dune(1984) de David Lynch

Antes demais, queria agradecer o convite para participar no Rebuçados Aleatórios. Obrigado Pitta. Vou tentar dar o meu melhor. E pronto, queria também mandar um "Olá!" (não necessariamente o gelado) aos restantes companheiros de blog.

Escolhi para a minha estreia aqui no blog, um grande filme de culto: o Dune de David Lynch (featuring Sting). Baseado num livro escrito por Frank Herbert, que teve já direito a duas versões, esta que vos falo hoje e outra mais recente, em 2003, que tentou colmatar aquilo que a versão de Lynch não conseguiu fazer tão bem: ganhar dinheiro. Houve também uma mini-série, baseada nesta história, Children of Dune, que conta os eventos que se passaram a seguir à história original, que recomendo também bastante, mas que não é para aqui chamada agora.

David Lynch, goste-se ou não dele, é um realizador único. Os seus filmes não são fáceis de digerir decerto, sendo ele por isso, um pouco ignorado pela multidão cinéfila mais mainstream. Mas Dune, é provavelmente, um dos seus filmes mais acessiveis: consegue-se chegar ao fim e perceber a história toda. Não sendo contudo, um filme para se perceber totalmente à primeira vez, é um filme para se vêr várias vezes, para se ir descobrindo os pequenos pormenores, devagarinho e com paciência.

Dune, passa-se num futuro distante, no ano de 10191, sendo o desértico planeta Arrakis (o planeta onde ninguém se lembra da ultima vez que choveu), o terreno de batalha entre 2 facções de Nobres rivais, os Harkonnem e os Atreides, que se degladiam num confronto armado pelo imperador do universo, a fim de eliminar os Atreides, e pôr os brutais e impiedosos Harkonnem a controlar o planeta. Pelo meio, o povo oprimido dos Fremen, escondido nos desertos, que luta pelo direito a viver no seu planeta natal.

Quem dominar este planeta, dominará o universo, pois apenas aqui cresce a especiaria Spice Melange. O bem mais importante deste futuro longinquo. Esta especiaria, é de facto, uma poderosa droga, que dá poderes fantásticos a quem a consumir, levando a uma fantástica evolução da mente do seu consumidor.

O filme gira aliás, sempre em torno da mente e dos seus poderes. A evolução tecnológica como conhecemos hoje, já não faz mais sentido naquela civilização, focando-se por isso, principalmente no desenvolvimento da mente em detrimento das máquinas.

Apesar, de ser feito em 1984, o filme está ainda dentro da data de validade, e bom para consumo. Os efeitos especiais, longe da sofisticação actual, não envergonham o filme. E a banda sonora cria um ambiente propício, bem como as interpretações dos actores. David Lynch na realização faz o resto, cria uma experiência sensorial bastante impactante e emotiva. A qual, acrescente-se, é enigmática e perturbante.

Interessante no filme para mim, são também os pequenos pormenores. O bem mais importante naquele universo, é uma droga com efeitos psicadélicos: Frank Herbert seria um hippie que gostava demais do LSD e lhe dedicou um livro? E será Arrakis uma metáfora ao Médio Oriente? Um deserto onde a água é preciosa, e forças invasoras lutam para ter acesso ao bem mais poderoso do território. Poderá a Spice Melange ser uma metáfora ao petróleo também? E se assim for, não representarão os Fremen, todos os árabes oprimidos que se voltam em Jihad (no filme, os próprios Fremen usam essa expressão) contra o mundo ocidental?

E pronto, já está. Vão ver o filme, se ainda não viram. É um crime não o conhecer. Não tenham medo dele. Como se diz no filme: "Fear is the mind-killer"!

sábado, dezembro 17, 2005

Dentro de "Mar Adentro"


Ainda antes da pérola dos Boo Radleys, vou falar de um filme que vi recentemente na TV.
Já tinha ouvido falar muito bem de "Mar Adentro", mas decidi tirar a prova dos nove enquanto fazia um zapping que acabou exactamente no canal onde começava o filme.
Mar Adentro é um dos filmes mais bonitos que tive oportunidade de ver nos últimos tempos. A minha opinião poderá parecer um tanto ou quanto estranha quando o tema central da narrativa é a morte e particularmente um assunto tão delicado como a questão da Eutanásia.
Baseado em factos verídicos, o filme conta a história de Ramón Sampedro (Javier Bardem, numa excelente interpretação), um paraplégico que luta pelo direito de poder escolher morrer. Paralisado numa cama durante 26 anos, Ramón decide avançar com um processo judicial onde pretende, através das vias legais e com a ajuda de uma organização pró-eutanásia, morrer com dignidade.
Alejandro Amenábar, que muitos devem já conhecer como realizador de "Os Outros" ou de "Abre los Ójos" (que posteriormente foi reapropriado para a realização de "Vanilla Sky"), consegue captar em Mar Adentro momentos verdadeiramente oníricos, sem ceder um pouco ao tema que pretende abordar. A sequência do sonho de Ramón é na minha opinião uma das mais bonitas de todo o filme, transportando-nos para um universo mágico-realista, onde somos convidados a sonhar acordados através dos olhos da personagem.
O retrato da família galega de Ramón foi também um aspecto que achei curioso, na medida em que a proximidade física e cultural com Portugal, me permitiu encontrar afinidades muito concretas com a nossa forma de ser e de estar na vida. São disso exemplo, a firmeza e obstinação de Ramón, a mentalidade conservadora do seu irmão, a simplicidade de Rosa e o saber popular do seu pai.
Depois há toda a narrativa, as relações pessoais, a conflitualidade social e institucional, e no centro a espiral inevitável da morte, trágica, mas bela.
A morte que presenciamos em "Mar Adentro" não nos perturba. Amenábar ameniza o tema, com um complexo jogo de relações pessoais, afectos e emoções, relativizando a importância da questão burocrática e judicial de todo o processo. São poucas as cenas em que presenciamos aspectos que tenham a ver com questões político/institucionais, e quando tal acontece é pela necessidade do próprio argumento (Ramón Sampedro teve de enfrentar de facto a justiça).
Em suma, para Amenábar a morte é tão bela quanto a vida. Nós que observamos atentamente os seus filmes achamos o mesmo.