sexta-feira, outubro 23, 2009

AMAR AdEUS


Encontrei- num amontoado de tralha, não sei quantos anos depois.

Os cadernos não são feitos para ficarem vazios. Devem ser entranhados com palavras, desenhos, riscos e rabiscos. Foi por isso que o resgatei da poeira onde se havia infiltrado há tempo indefinido.

Ao ver o meu nome de criança na capa assaltou-me - como é hábito - a curiosidade, e, ao abri-lo, um terço de página destapava subtilmente o título deste pequeno texto: "Amar a Deus", com letra de menino.

Deus ou deus, se preferirem, não haveria de crer um caderno vazio. Nem que de heresias se componha ele.

domingo, outubro 04, 2009

Há Vida em Fink

Por entre insónias e depois de uma batalha incessante no acesso às legendas - confesso: sou um admirador de cinema preguiçoso, que não prescinde das letrinhas na língua materna -, lá consegui visualizar Barton Fink, a obra seminal dos irmãos Coen.
Sem esmiuçar demasiado o enredo, Barton Fink poderia ser a história dos próprios irmãos Coen.
Começaram "a sério" com Blood Simple, entrando de imediato para a categoria de realizadores/argumentistas de culto à margem do sistema, mantendo esse estatuto até aos dias de hoje. Foi por isso que o Oscar chegou apenas em 2008, curiosamente com a adaptação de uma obra do escritor Cormac McCarthy, e que formal e estilisticamente segue a peugada de Blood Simple. Falo evidentemente de No Country for Old Men.
Entre, a rebeldia, o sonho, a timidez e a magia, o filme transporta-nos para o limbo hollywoodesco: céu/inferno (recordo-me de Lynch em Mulholland Drive, sem o humor negro dos Coen).
Barton Fink (John Turturro numa interpretação fabulosa) é um escritor de teatro com reconhecido talento em Nova Iorque. Timidamente decide aceitar uma carreira como argumentista de cinema para uma grande companhia de Hollywood. Inseguro - afinal de contas a instabilidade emocional das personagens parece ser uma das características transversais a toda a filmografia dos Coen - o escritor viaja para a costa Oeste com a certeza de nada. É destas características humanas que nascem o humor negro e corrosivo que em Barton Fink atinge proporções grandiosas. O burlesco hotel onde o escritor permanece durante a sua estada em contraste com as mansões dos grandes tecnocratas do cinema, a divisão entre o escritor da pobre condição humana e o argumentista vendido por um punhado de dólares ao cinema de massas, mas acima de tudo o bloqueio criativo nada conivente com os estúdios sedentos de ideias fúteis, conduzem-nos a um universo onde realidade e fantasia se cruzam e onde as outras personagens completam o puzzle de uma forma magistral (portentoso o papel de John Goodman).
A realidade é o que vemos explícitamente, ou é a fantasiosa realidade da mente do escritor imbuída de uma criatividade que é a dos próprios Coen?
O decor é profícuo em signos, metáforas de paradoxos. Serão as chamas o apocalipse de Hollywood ou ainda se vislumbrará esperança para além da linha do horizonte que divide o céu do mar?
Barton Fink venceu Cannes mas nunca poderia vencer Hollywood (ainda bem, digo eu).